Logo no início da pandemia, eu estava na farmácia com meu
filho. Do meu lado, uma família: mãe, filha adolescente e irmão mais novo. Acho que o menino tinha uns 9 anos. Ele, com voz alta e gestos rápidos, tentava convencer a mãe
a comprar um máscara para ele. A mãe distraída não ouviu o apelo. Ele pegou a
máscara que estava no balcão, e colocou na cesta de produtos que a irmã carregava.
A mãe tirou a máscara e disse algo que não pude ouvir. Foram para o caixa. Eu
fiquei olhando a cena, podia ouvir a respiração ofegante do menino, queria
ajudar. Vi que ele estava com medo, eu também estava. Mas não consegui fazer
nada.
Tenho uma caixa do livro Dicionário Ilustrado de Sentimentos
no carro, quis correr para pegar um livro e dar para ele, talvez o ajudasse a
entender o que estava sentindo. Talvez ajudasse a mãe a ajudar o menino. Mas
não tive coragem desse gesto. Fiquei com receio da reação da mãe. Não deveria, mas fiquei e me arrependo. Penso sempre nesse menino, e torço para que ele esteja bem.
Sim, ando reflexiva. Mas acho que isso não é algo que só
ocorre comigo. Talvez o mundo esteja refletindo. Acredito de verdade que o
mundo está mudando para melhor. Que a adversidade está ensinando um novo modo
de ser e agir. Acredito porque sou otimista. Mas acho que acredito nisso também
porque comigo está sendo assim. E temos essa mania estranha de achar que o que
acontece com a gente pode estar acontecendo com o outro. Será?
Na tentativa de assistir alguma live essa semana – como assim que vou passar a quarentena sem assistir
uma live ou fazer um curso? – consegui navegar por várias, nessa frenética tentativa
de ver tudo, sem realmente ver nada. Mas uma vontade ficou ao ver o que as
pessoas estão fazendo: preciso oferecer o meu melhor para o Mundo. E se não bastasse a vontade, tem aquela voz
que fala comigo quando medito. Sim, ouço vozes. Já que estamos aqui fazendo
confissões.
A voz diz muitas coisas. Na verdade é uma voz que conhece
pouco a palavra silêncio. Ela diz que posso ajudar as crianças. Ela diz que
devo ajudar. Ela fala sobre sentimentos. E, sobretudo me manda falar sobre
sentimentos com as crianças.
E acho que desde a cena da farmácia estou gestando esse
projeto que a voz insiste em me lembrar. Pelo menino da farmácia e por tantos
meninos e meninas que precisam entender o que estão sentindo. Assim posso
tentar dar o meu melhor, sou das palavras e são palavras que tenho para dar.
Ontem dei o primeiro passo concreto em direção a isso. É
assim que um caminho se faz não é? Passo a passo.
Então, voz, estamos quites?