sábado, 27 de junho de 2015

Love wins


Ela, ali, estancada, no meio da sala, com as mãos bem guardadas no bolso e o coração contido pelo casaco abotoado, perguntava a si mesma, se o tecido era realmente capaz de conter o som, não de um coração, mas de infinitos corações que insistiam em bater todos ao mesmo tempo, fazendo com que manter uma conversa fluindo fosse um trabalho árduo. Some a isso a necessidade de permanecer com as mãos fincadas no bolso para garantir que elas, como borboletas, ao identificar a luz dos vagalumes que brilhavam a sua frente, não saíssem em revoada de encontro a eles. Mais de uma vez, ela precisou desviar os olhos, para retomar o fôlego. E foi por muito pouco que não sucumbiu em um desses momentos, que em busca de ar, respirou o cheiro que vinha dele. Do discurso, mil vezes ensaiado, poucos linhas foram ditas, deixou algumas palavras por escrito, mas delas lembra pouco, não quis reler, por receio de perder a coragem. Em determinado momento, empolgada pelo cheiro inebriante do carvalho, e do aguardente que evapora, se distraiu, e as borboletas escaparam do seu bolso, dançando no ritmo da história que escapava da sua boca, enquanto não apenas duas folhas, mas um bosque inteiro surgia a sua frente. E ela, ali, estancada, no meio da sala, tentando em vão ouvir, falar, sentir e caminhar, não foi capaz de dar dois passos, limitou-se a gentilmente guardar as mãos no bolso. Na despedida, voltou, ele não viu, mas no segundo em que se aproximou para deixar um beijo, ela fechou os olhos e aspirou bem fundo para guardar o cheiro. E o que ela ganhou com tudo isso?  Ah, ela ganhou a chuva e o sol.

*foto de Ihotim do facebook - por causa da foto descobri que Inhotim tem um Jardim de Letras - mais do que nunca, preciso conhecer esse lugar. 

terça-feira, 2 de junho de 2015

Big Fish, o Amor, a tristeza triste e a volta da alegria em 4 Atos


1º. Ato
”Elis me disse que não é a voz que canta. Quem canta é o coração”.
Foi no “Tributo a Elis” - #elis70 - que Renato Teixeira  compartilhou com a plateia encantada o que aprendeu com Elis. O show foi lindo, repleto de histórias emocionantes, a tecnologia a favor da memória. No palco, grandes nomes da música brasileira e suas histórias incríveis. Na tela, Elis, a voz, carisma e magia. Apresentações inéditas, duetos inesquecíveis, ontem e hoje, passado e presente ao mesmo tempo no palco. Aliás, o tempo passou a ser um mero detalhe sem importância. E o coração lá, cantando feliz!
2º. Ato
Zapeando na televisão. Um telecine qualquer. Algo chama a minha atenção. Paro. Na cena, um palestrante fala para algumas pessoas. O assunto é superar a perda de um ente querido. Na cadeira, um homem  grande e forte chora ao falar da perda do filho. Diz que não consegue seguir adiante. Que não sabe por onde começar. O palestrante pergunta: o que você é? Ele responde: um construtor. E o que um construtor faz? Constrói. Então, é isso que você vai fazer. Reconstruir. Tijolo por tijolo.
Do lado de cá, com o controle remoto na mão, me pergunto: o que você é? Escritora. E o que uma escritora faz? - lágrimas nos olhos. tão óbvio -  Uma escritora escreve, oras.
3º. Ato
Conversando com o Vini antes de dormir, pergunto para ele. Filho, o que te deixa triste? Ele pensa um pouco e cita algumas coisas. Presto atenção, faço notas mentais. Pergunto onde ele sente a tristeza. Ele aponta o coração. E o que te deixa feliz? Ele sorri. Enumera, uma a uma, as coisas que o deixam feliz. Presto muita atenção. Felicidade de filho é coisa séria. E o que você faz quando está triste? Ele me olha, como se a resposta fosse algo tão óbvio, que não entende como é que eu posso fazer esse tipo de pergunta. Quando eu estou triste, eu faço as coisas que me deixam feliz. E ai eu fico feliz. 
4º. Ato
Adoro tomar banho. Sempre tenho ideias no chuveiro. E em tempos de tristeza, é um dos melhores lugares para as lágrimas. Lava-se por dentro e por fora. Foi tomando banho que pensei em uma das minhas cenas de amor preferidas do cinema. Ao ser devidamente apresentada a esse filme, não poderia ser diferente, paixão imediata, ao filme e ao responsável pela apresentação. Ao me lembrar do filme, da cena, das histórias, da minha história, do amor e das flores amarelas. Pingo e lágrimas. Banho, água, chuva, pingo e lágrimas, tudo misturado. Saí do banho e ainda enrolada na toalha, fui até o computador e digitei no google: I don´t think I´ll ever dry out.   



domingo, 26 de abril de 2015

A arte tem esse poder, porque a vida não basta.



Estou arrebatada. Acabei de assistir ao Sal da Terra, o documentário sobre Sebastião Salgado. 
Há alguns anos, um amigo me apresentou ao mundo das fotografias. Lembro-me especialmente de uma foto de Henri Cartier Bresson: um beco, um homem e um gato. Foi divertido imaginar a história por trás da foto. Criamos várias narrativas para esse diálogo inusitado entre homem e gato. Discordávamos sobre o conteúdo da conversa, mas com um fato havia total concordância: a foto contava uma história.
Lembrei da foto de Cartier quando visitei a exposição das fotografias de Sebastião Salgado. No dia que visitei, me peguei pensando nas histórias por trás das imagens. Como escritora, sempre acabo colocando palavras no que vejo. A luz da foto, é a letra do escritor. 
Finalmente, conheci algumas histórias. As imagens ganharam palavras. Desde a primeira foto, na primeira história, meu coração já estava disparado. Lutei para conter as lágrimas.  Serra Pelada. Milhares de pessoas. Milhares de histórias.
Quanto sofrimento pode suportar os olhos e o coração de um homem? Não sei o que me impressionou mais. As palavras, as histórias, as imagens, a vida ou a morte. Milhares de pessoas, milhares de histórias, a imensidão. Gênesis ao contrário. A morte mostrando que há vida. A vida prevalecendo ao desejo da morte.
O sagrado e o profano lado a lado.  A vida. A morte. O silêncio. O escuro. A luz. Fim. Pisquei os olhos imaginando que pudesse fotografar o momento. Uma foto capaz de contar a história de um coração que batia desesperado ...

A arte tem esse poder, porque a vida não basta. 

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Todos Juntos Somos Fortes

Faço parte de uma geração privilegiada. Assistia a Monteiro Lobato no Sitio do Pica-pau Amarelo ao chegar da escola. Lembro-me de um álbum, vinil, versão do Mauricio de Souza para Romeu e Julieta, ou seja, Shakespeare com os personagens queridos da infância.  Não posso deixar de mencionar A Arca de Noé. Vinicius, Toquinho, João Gilberto e, lógico, Chico Buarque.

Sei que só tive acesso a tudo isso, porque tenho uma família especial, pais que sempre incentivaram a leitura e a cultura. E o que tudo isso tem a ver com o momento familiar que estou vivendo? Com a recuperação do meu pai? E com o poder que a família tem?

Tudo.

Quando éramos pequenos, eu, meus irmãos e meus pais, gravamos uma versão familiar dos Saltimbancos, do Chico Buarque. Para cada membro da família, coube um personagem. Meu pai era o Jumento, minha irmã, a Gata. Eu, a Galinha. Meu irmão, com apenas dois ou três anos, auxiliado por minha mãe, era o cachorro. E cabia a ele dizer: au au au au au. A gravação foi feita em uma fita cassete, infelizmente, perdida. 

Hoje percebo que foi lá, naquelas noites musicais, que aprendi que Todos Juntos Somos Fortes! Ontem, ao chegar a Campo Grande com minha irmã, com a intenção de dar uma força e ficar mais perto da família, entendi a música. Entendi a lição iniciada há tantos anos. Desde que tudo isso começou, cada membro da família vem desempenhando um papel, papéis diferentes e complementares. Cada um com sua personalidade. Cada um com sua função, trazendo para recuperação do meu pai mais força.

Como diz na música:

“Todos juntos somos fortes
Somos flecha e somos arco
Todos nós no mesmo barco
Não há nada pra temer
- Ao meu lado há um amigo
Que é preciso proteger
Todos juntos somos fortes
Não há nada pra temer”

E assim, vamos para mais uma fase da recuperação. E assim, ficaremos para sempre, pois Todos Juntos Somos Fortes!

À família querida, mãe, irmãos, cunhados, tias, tios, primos, filho, sobrinhos, enfim, todos que têm participado tão ativamente dessa recuperação. Aos amigos de sempre, de dor e delícias. Aos amigos que há muito não tínhamos notícias, que ligaram, escreveram, oraram. Mostrando que amizade de verdade, independe de convivência. Amigos de todas as religiões, de todas as crenças, e até, sem crenças, torcendo, vibrando, desejando o bem. Uma prova de que são várias pontes, que levam a um só lugar. A um só Deus. A uma só força. A todas essas pessoas, meu mais profundo e verdadeiro obrigado!

A música termina assim:

E no mundo dizem que são tantos
Saltimbancos como somos nós.



Saltimbancos queridos, muito obrigada!



domingo, 11 de janeiro de 2015

MEUS HOMENS CHORAM


Há 11 anos, no dia de Reis, 06 de janeiro, nasceu a mãe que sou. Nunca soube explicar e talvez seja algo inexplicável mesmo. Assim que coloquei meus olhos no meu filho, um amor que eu não sabia que existia dentro de mim, surgiu. Bastou um segundo, para o maior amor do mundo fazer morada na mãe que eu acabava de me tornar.  Mãe e filho nasceram no mesmo instante, 11 anos depois, parece que apenas pisquei os olhos. Mas, não é disso que a vida é feita? Piscadelas.  “A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos...”
Em um dessas piscadelas, vi meu filho chorando, choro sentido, lágrimas escorrendo pelo rosto. Coração de mãe em pedaços. Sei que não dá para evitar todas as lágrimas, sei que os obstáculos da vida são grandes, existem pedras no caminho, existe decepção e insensatez. Mas, aquelas lágrimas, por incrível que possa parecer, mostraram que meu filho é um lindo ser humano. E que está crescendo, que é capaz de sentir e de manifestar seus sentimentos. Isso, é algo tão importante para crescer saudável, que preciso, mesmo de coração partido, celebrar aquelas lágrimas.
Um dia depois, saio correndo para socorrer meu pai, uma cirurgia simples, que acabou não sendo tão simples. Do aeroporto vou direto ao hospital. De onde escrevo nesse momento. Dor, muita dor, e lágrimas. De dor, de cansaço, de raiva ... Dor que não passa. E, na mesma semana  que vi meu filho chorando, vejo meu pai. De novo, impotente. Não sei o que fazer, e a resposta vem certeira: segura na mão dele e chora também. 
Não chorei, mas entendi que a resposta é muito mais simples. Que a lição que meu filho e meu pai me deram foi muito maior do que a dor. Quando estamos dispostos a aprender, o amor sempre será maior que a dor. É uma questão de escolha.

A pessoa da resposta certeira, nesse momento, chora também, porque meus homens choram, enquanto me ensinam.