terça-feira, 22 de novembro de 2011

Real Gabinete Português de Leitura

Estava, literalmente, sem palavras, mas no meio de tantas palavras impressas, as minhas, não eram necessárias.



O tempo parecia algo relativo ali dentro. Cada detalhe, a madeira escura e maciça dos móveis, o vitral do teto, o piso português, o lustre majestoso pertenciam a outro tempo. Um tempo que não corria como o de hoje.

Dei algumas voltas pelo salão, rindo de mim mesma, parecia uma criança no parque de diversões.


Sentei-me tonta em uma das escrivaninhas da mesma madeira escura.

Uma placa dizia: Homenagem a Machado de Assis, leitor assiduo desse espaço.
Machado? O Machado de Capitu?

O próprio, dizia a placa.

Eu acreditei.
Acreditaria em qualquer coisa que me dissessem.





Ouvi um ruído, um funcionário da manutenção com uma caixa de ferramentas andava no corredor do andar de cima. Lugar privilegiado, para poucos. Fiquei pensando se ele se dava conta desse privilégio. Parecia que andava alheio aos livros ao seu lado.

E perdida em pensamentos fiquei ali, sentada, na escrivaninha que eu tinha certeza ser a mesma que Machado de Assis usava.
E nem tentem me dizer que não era.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Pra Juju Gostar de Ler

Amo livrarias. Pra mim é um lugar sagrado. Templo das palavras.
Gosto muito da Travessa do Rio. Adoro ficar horas me perdendo e me achando no meio de tantas palavras. Meu dedos passeiam pelas lombadas dos livros. Olho as capas, folheio as páginas e sou subitamente atacada por uma angústia: nunca vou conseguir ler tudo que quero ler. Nem se eu não fizesse mais nada na vida, só lesse, ainda assim, não seria possível. Pensamento dificil. Deveria ter começado antes. Muito antes. Sempre rio desses meus pensamentos, o bom é ler agora e ponto. Funciona até o próximo ataque.

Na última vez, estava na Travessa de Ipanema. Lá no fundo, perto da sessão infanto juvenil, vi uma mãe com suas duas filhas. A mãe estava sentada em uma poltrona e lia um livro. A filha mais velha, acho que com uns cinco anos, também "lia" um livro. Nada de extraordinário - à primeira vista.  Mas, o extraordinário da cena, era que a menina de cinco anos lia o livro e mostrava as figuras para a irmãzinha menor no carrinho. Um bebê! A Juju.
E a irmã dizia: - Olha, Juju, um peixe. Juju, o peixe encontrou a mãe dele. Nossa, Juju, ele pulou de tanta alegria. E Juju, deitadinha no seu carrinho, olhava atenta, balançava os bracinhos e levantava os pezinhos. Coisa mais linda de ver.
Eu, nada discreta, fiquei olhando a cena e me deliciando com a leitura e com as reações da Juju.
Um senhor que estava por perto também se encantou e olhou pra mim sorrindo.
Coisa do templo das palavras.
Seria tão bom se um dia Juju se lembrasse disso.

sábado, 8 de outubro de 2011

De hipótese a um pouco de auto-ajuda.

"A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos - viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim, pisca pela última vez e morre.
- E depois que morre - perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?"

Dias desses, quase virei hipótese.


Um pouco de auto-ajuda, literalmente.

Aprendizado 1. Virar hipótese é fácil, difícil é continuar a piscar.

Me perguntaram se eu vi um túnel de luz, se vi Deus ou se recebi alguma mensagem do Além. Nem com todo meu esoterismo pude dizer sim a essas perguntas. Devo confessar que não vi nada do outro lado, mas em compensação, vi esse lado com mais clareza.

Aprendizado 2. Família é tudo de bom.

Nunca aprendemos sozinhos, aprendemos em conjunto. Nos momentos mais difíceis é que percebemos que família sempre está lá, grita no corredor do hospital pedindo ajuda, faz massagem cardíaca sem saber, liga pro médico no meio da noite, passa a noite olhando pro monitor e lembrando que é necessário respirar. E depois de tudo passar, família ri com a gente.

Aprendizado 3. Amigo é tudo de bom.

Amigo reza por nós, torce, pede para Deus, faz visita e leva flores Sempre Viva que é para lembrar que é preciso continuar viva.

Aprendizado 4. Filho é o motivo para ficar.

Sobre isso não precisa dizer mais nada. Filho muda tudo.

sábado, 24 de setembro de 2011

Era primavera!

      Carlos Lyra e Vinicius de Moraes estavam compondo músicas para a peça Pobre Menina Rica.
     Tudo ia muito bem. Música de primeira, letras surgindo e a peça tomando forma. Mas algo na história incomodava Carlinhos.
           - Poetinha, você não acha que estamos forçando um pouco, a menina rica se apaixonar pelo mendigo poeta?
      Vinicius olhou muito sério pro seu parceirinho e disse:
           - Era Primavera!!
     Carlinhos se rendeu diante da força daquele argumento.


     Gosto muito dessa história, ouvi em um show do Carlinhos Lyra em Campo Grande. Sempre me lembro dela no início da Primavera. É dessa magia que o mundo precisa para acreditar que o impossível é possível. E que o amor, junto com as flores, está no ar.


*Isso, de falar no diminutivo, é coisa da Bossa Nova, adoro!

domingo, 3 de julho de 2011

Banquinha de Idéias - quem quer uma?

Cena 1:
Sexta-feira, 10 graus, chuvisco, céu cinza, neblina. Eu a caminho do aeroporto, minha roupa mimetizava-se com o dia, minha alma idem. Parei no sinal, desses de pedestre no meio do nada, em uma grande avenida. Um rapaz atravessando a rua, sobretudo preto. Algo na mão dele me chamou a atenção, ele segurava uma caneca térmica, e uma borboleta colorida voava próxima. Esfreguei os olhos. Uma borboleta colorida? Olhei de novo, sorrindo. O rapaz atravessou bem na minha frente, e a pequena borboleta ainda ali, no mesmo lugar, voando em círculos. Foi ai que eu desvendei o mistério. A pequena borboleta colorida, que me fez sorrir no meio do dia cinza, era na verdade ... o selinho do chá preso ao fio dentro da caneca. Agora me responde se não daria um super filme de 30 segundos para uma empresa de chá?

Cena 2:
Entrei no avião. Gosto de sentar no corredor. Fileira 2. Na janela uma moça dormia enfiada no casaco branco. Mal conseguia ver seu rosto. A chuvinha ainda caia e o dia me pareceu ainda mais cinza do que antes. Dormi. Acordei meia hora depois com um calor bom no meu rosto, era o sol. A moça do meu lado já estava sem casaco e mexia na bolsa. Tirou uma necessaire. Tentei disfarçar, fingindo que olhava pro céu azul lá fora. Tirou um creme, passou no rosto. Em seguida colocou um pouco de base na mão, misturou com outra base, e aplicou  u.n.i.f.o.r.m.e.m.e.n.t.e  no rosto. Mexeu de novo na bolsa, pegou o celular, e com um lápis preto pintou os olhos, fazendo do celular um espelho. Eu, de boca aberta!! A menina estava fazendo um makeup completo!! O avião começou a se aproximar do destino. A descida no Santos Dumont é maravilhosa. O mar bilhava. Da janelinha via aquela paisagem deslumbrante que é o Rio de Janeiro visto de cima. A menina com um rímel preto fazia malabarismos nos cílios, alheia ao Pão de Açúcar. E eu achando tudo aquilo lindo, o Rio, a menina se maquiando, o sol, o céu azul. Tirei meu casaco cinza e coloquei na mala, pensando em vender essa ideia para uma empresa de comésticos sediada em Curitiba. Daria ou não daria um belo filme?


sexta-feira, 29 de abril de 2011

A vida como ela é!

Demorei muito para escrever sobre isso ... mas percebo que entendo a medida que explico.

Era um exame de rotina, já havia passado por aquilo outras vezes, e no meio dos exames habituais o médico pediu para incluir uma ecografia da tiróide (até hoje acho que foi intuição divina). Apareceu um nódulo, fui encaminhada ao especialista que solicitou uma punção. Levando em consideração minha fobia de agulha, ouvir que se tem que fazer uma punção não é das melhores notícias.


Segue uma sucessão de medidas práticas: marcar punção, fazer punção (que foi um horror) e esperar o resultado. Confesso que estava apreensiva, mas em nenhum momento achei que pudesse ser algo além de mais uma bolinha, tenho histórico de miomas, lipomas, nódulos. Depois de duas semanas, o resultado: apesar de não apresentar características de malignidade, algumas células apresentam características de malignidade. Fiquei parada, na frente da clínica, com o papel na mão, lendo e relendo o resultado. As palavras não faziam sentido, literalmente. Mas uma sucessão de medidas práticas e mandei as lâminas para uma revisão em São Paulo.

Era dezembro, quase Natal, viajei com meu filho para Campo Grande para passar o fim de ano na casa dos meus pais, meu marido iria em seguida. No dia seguinte, meu marido ligou, a voz estava estranha, o tom mais baixo que de costume, falava pausadamente, medindo palavras. Senti um arrepio. Ele havia recebido o resultado do exame, as células tinham características malignas. Era um câncer. E estava dentro de mim.

Atendi ao telefone na sala, a televisão estava ligada, meu filho brincava com minha mãe, e eu, muda, ouvindo o que meu marido lia. Eu não sabia o que dizer, queria gritar, chorar, xingar ou rir, mas não fiz nada disso, fiquei parada, com o telefone na minha mão, muda. Olhava para frente e não via, não sei o que senti. Acho que foram tantos sentimentos e sensações em poucos segundos que nenhum ficou registrado, a não ser o caos. Caos interno.

Não lembro o que disse para minha mãe, mas me lembro do seu olhar, olhar que continham palavras que não puderam ser ditas, pois meu filho estava ali e ele nem dois anos tinha.

Eu não chorei. Aquela situação não parecia real ou era real demais, tão real que não havia tempo, nem espaço para chiliques. Só consegui chorar quatro dias depois, na noite de Natal, dois dias antes da cirurgia. O choro foi um desabafo, talvez o meu presente de Natal para mim mesma. Chorei poucas vezes durante o processo todo, mas são dos momentos de choro que me lembro, alguns rápidos, disfarçados, outros, os melhores, catárticos.

Depois da cirurgia, para a retirada da tiróide, fiquei 40 dias esperando para iniciar o tratamento, nesse período não poderia fazer a reposição hormonal, era uma preparação para fazer a iodoterapia. Em Campo Grande não havia nenhum lugar credenciado para esse tipo de tratamento, então, voltei para Curitiba.

No avião de Campo Grande para Curitiba, sentamos minha mãe, meu filho e eu. Eu estava imersa em pensamentos, um milhão de perguntas sem respostas. Muitas coisas tinham mudado em apenas 45 dias. Eu pensava nas diversas facetas dessa mudança, tantos as internas, intensas e doídas, quanto às externas, e lágrimas indiscretas começaram a rolar.

Vasculhei minha bolsa procurando óculos escuros para dar uma disfarçada, a aeromoça passou entregando o lanche, eu não quis, meu filho quis. Aproveitei que ele estava distraído com o lanche e tirei meus óculos para limpar os olhos. Meu filho percebeu que eu estava chorando, pegou o lanche dele e me deu. Ele achou que eu estava chorando porque a aeromoça não tinha me dado um. Não precisa nem dizer que eu chorei mais ainda, só que dessa vez por gratidão.

terça-feira, 12 de abril de 2011

A sabedoria em todo lugar.

Estava no carro, puta trânsito, nessas horas tenho vontade de estacionar e seguir a pé. Enfim, para não fazer isso, fiquei zapeando pelas rádios. Parei em uma entrevista. Era um instrutor de asa delta. Ele dizia: - Existem dois tipos de medo. Aquele que te impede de viver e aquele que o mantém vivo.

Opa! Gostei daquilo, aumentei o volume.

- Deixo meu aluno à vontade. Ele não precisa saltar no primeiro dia, pode só observar. Sentir o clima. Não gosto de apressar as coisas. Tem gente que pula de cara, na primeira vez, mas tem outros que precisam voltar mais vezes. Não tem problema. A montanha estará sempre lá.

Pensei: ... para alguns, as asas também.


Abra suas asas, solte suas feras....

segunda-feira, 28 de março de 2011

O que é importante.

Sexta-feira passada acordei com uma frase martelando na minha cabeça, como se alguém falasse sem parar a mesma frase, incontáveis vezes. "Foque no que é importante". O dia inteiro.
E foi um dia insano, corri sem parar por coisas que julguei importantes. E a danada da voz ali, insistindo. Foque no que é importante. E eu correndo, fazendo, resolvendo problemas que não eram meus ... tudo parecia muito importante.
Mas, no fundo, eu sabia que alguma coisa estava errada. Até que comecei a pensar no que era realmente importante. Pensamento revolucionário. 
Percebi que havia perdido o foco em algum momento. Coloquei no lugar que não devia "desimportâncias", julguei errado, pisei na bola, perdi o foco, me perdi.

Deixei de escrever, não fui mais ao bosque, não li um livro, não fui mais ao cinema no meio da tarde, não gargalhei, nem celebrei, não cuidei na minha saúde, não visitei amigos, não estive presente em tantos lugares, não meditei, deixei de sentir, fiz escolhas erradas ... coloquei minha energia onde não devia, desviei do meu caminho ...

Era isso que a voz dizia: foque no que é importante.

Foquei. Pedi desculpas, ouvi a chuva, brindei com ela, marquei consulta, revi detalhes, consultei a bússola, fiz uma proposta, marquei encontros, e, escrevi aqui.