A pandemia transformou a doença em verbo.
Eu covidei, tu covidates, o mundo covidou.
Lembra quando estudamos que verbo é ação? Pois é, não para o Covid.
Covidei e parei. Não de imediato. Fiquei em casa Isolada, mas não parada. Nos primeiros dias, segui trabalhando, quis ignorar a presença do vírus, estava com sintomas leves, dor no corpo, dor de cabeça, cansadinha e com muita raiva. Os outros sintomas eram explicados pelo vírus, mas porque sentia raiva?
Mais de um mês depois do positivo, ainda não sei... acho que o covid me deixou lenta, de corpo e alma.
No sétimo dia piorei, entrei na tal fase inflamatória, parecia uma sinusite, com otite, com labirintite, laringite, tosse e raiva. Entendi que deveria dar tempo para meu corpo se recuperar, precisava descansar. Mandei uma mensagem para todos do trabalho avisando que ficaria off. Sabem o que isso significa no mundo de hoje? Senti orgulho de mim mesma.
Finalmente parei. Depois de dois anos frenéticos, parei. O mesmo coronavírus que em janeiro de 2020 me fez acelerar como nunca, em janeiro de 2022, me fez parar. Dois lados da mesma doença.
Recebi muito carinho e cuidado. Recebi carinho de pessoas que nunca imaginei que receberia. E não recebi de outras que achei que receberia. Acho que o covid é assim, desperta o melhor de alguns e o pior de outros. Afinal, não se pode dar o que não se tem.
O covid é uma doença contraditória até nisso. Te deixa isolada e sozinha quando você precisa do cuidado dos outros. E não tem jeito, tive que fazer por mim mesma. Impõe o autocuidado para a sobrevivência. Entrei em uma pira louca de manter tudo em ordem ao meu redor. Passei aspirador, lavei roupa, lavei louça por dias, até que cansada, desisti de manter a casa em ordem e fui cuidar dos estragos causados por dois anos de pandemia em mim.
Viver a pandemia “de dentro” de um hospital traz uma visão muito peculiar da situação. Em várias dimensões. Temos informações “privilegiadas”. O que muitas vezes não faz nada bem, pois a ignorância pode ser uma benção. Traz urgência e muita responsabilidade. Tínhamos que dar resposta a várias necessidades da organização. Percebo agora que minhas necessidades, foram ficando esquecidas no cantinho...
Lembro de início de tudo isso, reunidas no Marketing do Pequeno Príncipe, ainda sem saber de tudo que viria pela frente, ainda acreditando que passaria logo. Preparando materiais, informações, hot site, cartazes, e-mails, para equipes da linha de frente. Para investidores, para familiares dos pacientes... Tantos protocolos, tanta insegurança, as pessoas ávidas por esclarecimentos. Ninguém tinha certeza de nada... vivíamos dias loucos.
E no meio desses dias loucos, me perdi. Me perdi de mim mesma e do meu propósito. Desviei o rumo e apesar de ser útil e necessária no hospital, não fui para mim mesma.
Quando a pandemia começo, fui ingênua e acreditei que o mundo seria um lugar melhor, que as pessoas iriam entender o que é importante. Acreditei na evolução, na melhora coletiva. Como humanidade, sabe? Mas, como todos sabemos hoje, não foi bem assim ... há uma guerra para provar isso. Infelizmente.
Quando eu tive câncer, há muitos anos, parei, refleti, revi, mudei. Imaginei que as pessoas que passaram pelo covid, foram internadas, precisaram de oxigênio também repensariam suas vidas ... e se todos repensassem, mudaríamos. A pandemia, então, que trouxe tantas consequências para tudo e todos, poderia, enfim, fazer algum sentido. Não fez.
Mas, acho que para mim, acabou fazendo. E talvez seja isso mesmo, pequenas mudanças de muitas pessoas que pode resultar em grandes mudanças. Acho que foi o Dalai Lama que disse: seja você a mudança que quer ver no mundo. Espero que eu consiga ser.
Estou mudando, a raiva ainda está aqui, mas estou tentando usá-la a meu favor. Estou tratando pequenas sequelas no corpo e na alma. Tenho pressa para retomar o rumo, refazer o caminho, voltar para as coisas que me são caras. Mas estou lenta, tenho que respeitar meu corpo, equilibrar a pressa com o descansar. É isso, para descovidar é preciso tempo. Pra mim e para o Mundo.